O que é importante notar é que tais idéias não estão distantes do senso comum. O julgamento natural de que é errada a iniciação de agressão à pessoa humana, como a violência física, a escravidão, entre outras coisas, tem como base a noção comum de que ninguém tem algum direito sobre o corpo de outro indivíduo. De fato, a propriedade sobre o próprio corpo é uma condição do ser humano qua ser humano. Um indivíduo controla e toma decisões sobre seu próprio corpo livremente apenas com um ato de vontade. Para que alguém exerça algum controle sobre outra pessoa, para que esta propriedade natural sobre o próprio corpo seja quebrada, é preciso o uso de alguma forma de coerção. Ou seja, todo indivíduo é naturalmente dono de si mesmo até que esta esfera de autoridade seja violada.
Neste ponto pode estar uma explicação positiva para o surgimento deste direito, segundo a abordagem dada pelo economista David Friedman. Mas, antes de prosseguir, é necessário introduzir o conceito de custo transacional. Em economia, custo transacional é aquele envolvido numa troca econômica. Segundo Friedman, é possível deduzir que uma alocação de propriedade em que cada indivíduo é o único dono de si mesmo é mais eficiente do que qualquer outra a partir da análise dos custos transacionais envolvidos em qualquer das alternativas. Para um ser humano qualquer não há qualquer custo em desfrutar da propriedade sobre seu próprio corpo, a capacidade de tomar decisões sobre o mesmo é imediata. Para que qualquer outra pessoa exerça este poder, é necessário que força seja usada: por meio de ameaça ou agressão. Esta necessidade representa custos transacionais que recaem sobre o agressor. Ou seja, dados dois indivíduos A e B, ambos podem desfrutar da propriedade sobre A. Só que isto é mais barato para A do que para B. Num mundo com custos transacionais positivos, é preciso levar em conta os custos envolvidos na adoção de um dado arranjo de alocação de propriedade. A partir do ponto em que uma ordem social baseada na propriedade individual e exclusiva sobre si mesmo apresenta menos custos de preservação, é possível defender tal alocação como a mais eficiente. Este é um argumento que pode ser usado para descrever de um ponto de vista amoral o surgimento de sociedades e leis que respeitam o direito de propriedade sobre o próprio corpo.
Finalmente, tão importante quanto conhecer a natureza deste direito é saber contextualizar ele em situações práticas, o que exige certa interpretação dialética do mundo. É possível dar exemplos de aplicações do direito de propriedade sobre si mesmo em problemas reais, e usar o mesmo para criticar certas políticas governamentais e a própria idéia de Estado.
Como o argumento aqui exposto tentou mostrar, cada indivíduo é (ou deveria ser) o único dono, o único legislador de si mesmo, a partir do ponto em que não está agredindo outro. De outra forma, cada ser humano é um fim em si mesmo, não podendo ser usado como meio por outras pessoas. Isto é algo que deve ser respeitado, portanto, por qualquer sistema político que se considere ético. O uso da violência para forçar o indivíduo a agir de alguma forma não é legítimo enquanto esta força não estiver sendo usada para evitar ou reparar alguma agressão a outro indivíduo. E é por isso que qualquer associação política válida deve reconhecer os direitos à secessão e a ignorar leis que não proíbam algum tipo de agressão, uma vez que o não respeito desses direitos significa que a força está sendo usada em um ser humano de forma ilegítima. Acontece que muitas das leis são violações deste direito individual básico: tais quais leis governando a prática sexual consentida entre adultos, leis proibindo o consumo de drogas recreativas por indivíduos etc. A própria idéia de tributo pode ser entendida como uma violação do direito sobre si mesmo, como argumenta Rothbard, já que uma considerável parte do trabalho de um indivíduo lhe é tomado na forma de tributo por meio de violência ou ameaça de violência. Esta parte de trabalho anual que é tomada do indivíduo é como uma forma de trabalho forçado, sendo neste caso uma violação da propriedade sobre si mesmo.
E este é o ponto básico do liberalismo, principalmente do liberalismo anarquista, o estado é uma associação compulsória e coercitiva que agride a pessoa humana, não respeitando o direito básico individual e exclusivo de propriedade sobre o próprio.
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